Introdução Aos Estudos Filosóficos
3ª Série / Ensino Médio
A pólis
e o nascimento da Filosofia
O declínio do mundo dos Mitos
Na história do pensamento ocidental,
a filosofia nasce na Grécia por volta do século VI (ou VII) a.C. Por meio de
longo processo histórico, surge promovendo a passagem do saber mítico ao
pensamento racional, sem, entretanto, romper bruscamente com todos os
conhecimentos do passado. Durante muito tempo, os primeiros filósofos gregos
compartilharam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o
conhecimento racional que caracterizaria a filosofia. Essa passagem do mito à
razão “significa precisamente que já havia, de um lado, uma lógica do mito e
que, de outro lado, na realidade filosófica ainda está incluído o poder do
lendário”.
Em outras palavras, a filosofia
grega nasceu procurando desenvolver o logos (saber racional) em contraste
com o mito (saber alegórico). A força da mensagem dos mitos
reside, portanto, na capacidade que eles têm de sensibilizar estruturas
profundas, inconscientes, do psiquismo humano.
Mitologia
grega
Os
gregos cultuavam uma série de deuses
(Zeus, Hera, Ares, Atena, etc.), além de heróis
ou semideuses (Teseu, Hércules,
Perseu, etc.). Relatando a vida dos deuses e dos heróis e seu envolvimento com
os homens, os gregos criaram uma rica mitologia,
conjunto de lendas e crenças que, de modo simbólico, fornecem explicações para
a realidade universal. Integra a mitologia grega grande número de “relatos
maravilhosos” e de lendas que inspiraram diversas obras artísticas ocidentais. O
mito de Édipo, rico em significados, é um exemplo disso. Na Antiguidade, ele
foi utilizado pelo dramaturgo Sófocles (496-406 a .C.), na tragédia Édipo
rei, para uma reflexão sobre as questões
da culpa e da responsabilidade dos homens perante as normas e tabus
(comportamento que, dentro dos costumes de uma comunidade, é considerado nocivo
e perigoso, sendo por isso proibido a seus membros). Damos em seguida um resumo
desse relato mítico.
O exercício da razão na pólis grega
O
momento histórico da Grécia Antiga em que se afirma a utilização do logos (a
razão) para resolver os problemas da vida está vinculado à organização da
pólis, Cidade-estado grega, conforme a análise do historiador francês contemporâneo
Jean-Pierre Vernant. A pólis era uma nova forma de organização social e política
em que os cidadãos dirigiam os destinos da cidade. A pólis foi uma criação dos
cidadãos, e não dos deuses. E podia ser explicada e organizada pela razão. Com
o tempo, o raciocínio correto, bem formulado, tornou-se o modo adotado para se
pensar sobre todas as coisas, não só as questões políticas.
Pré-socráticos
Os
primeiros filósofos gregos
De acordo com a tradição histórica,
a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático.
Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde
Tales de Mileto (623-546 a .C.)
até o aparecimento de Sócrates (468-399 a .C.).
Sofistas
Os
primeiros mestres na arte da argumentação
O
período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela investigação da
natureza. Essa investigação tinha como vimos no capítulo anterior, um sentido
cosmológico. Era a busca de explicações racionais para o universo manifestada
na procura de um princípio primordial (arché)
para todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período uma nova fase
filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações do
homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos sofistas. Etimologicamente,
o termo sofista significa “sábio”. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou
o sentido de “impostor”, devido, sobretudo, às críticas de Platão.
Os sofistas eram professores
viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de
filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de
eloqüência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso
nos negócios públicos e privados. O momento histórico vivido pela civilização
grega favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos
sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas
assembléias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam
necessidade de aprender a arte de argumentar em público para conseguir
persuadir em assembléias e, muitas vezes, fazer prevalecer seus interesses
individuais e de classe. As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto,
o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade retórica, do
conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de
palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as
pessoas, driblando as teses dos adversários. Todas essas características dos
ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Conforme
vimos anteriormente, para o relativismo, não há uma verdade única, absoluta.
Tudo seria relativo ao indivíduo, ao
momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias.
Nem
heróis nem vilões
Foi, sobretudo, devido a Platão que
se considerou a sofística apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de
manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer
amor pela verdade. Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos
sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa
concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para
os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e não podem ser
reduzidas a uma única verdade. Não existem valores ou verdades absolutas. É
importante lembrar que não existe uma doutrina sofística única. O que há são
alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas, como Protágoras,
Górgias e outros.
Etimologia
Filosofia
–
A palavra filosofia vem do grego (philos+sophia) que significa “amor à
sabedoria” ou “amizade pelo saber”. Pitágoras (séc.VI. a.C.), filósofo
matemático grego, teria sido o primeiro a usar o termo filosófico, por não se
considerar um “sábio” (sophos), mas apenas alguém que ama e procura a
sabedoria. (Marias, p.19)
Períodos
da Filosofia
Pré-socrático
(séc. VII e VI a. C.). Os primeiros filósofos ocupavam-se com questões cosmológicas,
iniciando a separação entre filosofia e o pensamento mítico.
Socrático
ou clássico (séc. V e IV a. C.). Ênfase nas questões
antropológicas e maior sistematização do pensamento. Desse período fazem
parte os sofistas, o próprio Sócrates, seu discípulo Platão e Aristóteles,
discípulo de Platão.
Pós-sócrates
(séc. III e II a.C). Durante o helenismo, preponderou o interesse pela física e
pela ética. Surgiram as correntes filosóficas do estoicismo (Zenão de
Cítio), do hedonismo (Epicuro) e do ceticismo (Pirro de Élida).
(Marias, p.40)
Periodização
da História da Grécia Antiga
Civilização
micênica (sécs. XX a XII a.C). Desenvolveu-se desde o início
do segundo milênio a.C. Tem esse nome pela importância da cidade de Micenas, de
onde, por volta de 1250 a.C., partiram Agamênon, Aquiles e Ulisses para sitiar
e conquistar Tróia.
Tempos
homéricos (sécs. XII a VIII a.C). Na transição de um mundo
essencialmente rural, os senhores enriquecidos formam a aristocracia
proprietária de terras, que fez recrudescer o sistema escravista. Nesse período
teria vivido Homero (sécs. IX ou VIII a.C).
Período
arcaico (sécs. VIII a VI a. C.). Com a formação das
cidades-estados (póleis), ocorreram grandes alterações sociais e políticas, bem
como o desenvolvimento do comércio e a expansão da colonização grega. No inicio
desse período teria vivido Hesíodo. No final do século VII e durante o século
VI a. C. surgiram os primeiros filósofos.
Período
clássico (sécs. V e IV a.C.). Auge da civilização grega; na
política, o apogeu da democracia ateniense; desenvolvimento das artes,
literatura e Filosofia; época em que
viveram os sofistas e os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles.
Período
helenístico (sécs. III e II a.C.). Decadência
política, domínio macedônico e conquista da Grécia pelos romanos;
culturalmente, significava influencia das civilizações orientais; florescimento
das filosofias estoica e epicurista.
(Marias, p.37)
Períodos da História da Filosofia
Para trabalhar a questão de quando viveu um filósofo,
deve ser considerada a sua posição na clássica divisão da História da
Filosofia: Filosofia Antiga, Filosofia Medieval, Filosofia Moderna e Filosofia
Contemporânea. Além disso, mesmo respeitando essa tradição, convém considerar a
especificidade de cada autor, evitando generalizações. Importa, aqui, levar em
conta o contexto histórico-social em que viveu o pensador. É necessário,
portanto possibilitar uma visão geral sobre cada uma dessas divisões,
explicadas nas sínteses a seguir:
Filosofia
Antiga: Trata-se do início da Filosofia
(φ), da identificação de seus primeiros problemas. A φ Antiga abrange um
período que vai do final do séc. VI a.C até o séc.VII d.C. Tendo como espaços
iniciais as cidades-estados da Grécia, chamadas polis, seu desenvolvimento
atingiu várias cidades do Império Romano, inclusiva no norte da África. Os
escritos da época foram produzidos, e geral, em grego e latim, mas os espaços
culturais onde φ Antiga se desenvolveu eram bastante heterogêneos. Muitos
textos desses pensadores acabaram se perdendo, restando-nos apenas alguns
livros e fragmentos.
Filosofia
Medieval: A φ Medieval se desenvolveu no
período que vai do século VIII ao séc. XIV. Seus espaços foram, principalmente,
os mosteiros e ordens religiosas europeias, onde a Igreja Católica tinha
hegemonia. Entretanto, houve manifestações filosóficas fora do mundo cristão,
em especial no mundo árabe e judeu. A φ Medieval foi uma das responsáveis pela
criação das universidades. Sua principal discussão: a relação entre a fé e
razão, ou seja, a tentativa de separar o que pertenceria a Deus (teologia) e
que pertenceria aos homens (filosofia).
Filosofia
Moderna: Iniciada no séc. XIV, φ Moderna
se estende ate o final do séc. XVIII, no continente europeu. Nessa época, a
Europa foi palco do desenvolvimento do capitalismo, da formação dos Estados
Nacionais, das grandes navegações e dos processos de colonização e formação dos
impérios. A Igreja Católica dividiu a hegemonia com o protestantismo e com as
ideias que incentivavam a liberdade do homem frente à religião. Sua s pela
criação das universidades. Sua principal discussão: a relação entre a fé e
razão, ou seja, a tentativa de separar o que pertenceria a Deus (teologia) e
que pertenceria aos homens (filosofia).
Filosofia
Contemporânea: A φ Contemporânea se
estende do final do séc. XVIII até os nossos dias. É possível dizer que seus
problemas inspiram-se na Revolução Francesa e na revolução Industrial, com a
crescente desumanização do processo social de produção.
As disciplinas
filosóficas
Desde seu
surgimento na Grécia Antiga, em torno do século VI a. C., a filosofia foi
ampliando os temas de suas reflexões até alcançar a vastidão que tem hoje. O
surgimento de vários campos da filosofia obedeceu, e ainda obedecem, às
exigências do pensamento humano, suas necessidades e crises ao longo da
história, pois, se a filosofia é crítica sobre a vida, ela vai repensar exatamente
aquelas questões que incomodam em cada momento da história humana.
Principais
disciplinas filosóficas ou campos de estudo:
a) Metafísica (ontologia) – reflete sobre o SER. Estuda o ser em
geral, quando tenta buscar o que as coisas são. O que é o ser? Quando estuda o
ser em particular, dedica-se ao estudo racional da alma, do mundo (cosmologia)
ou de Deus (teodiceia). Alguns autores chegam a diferenciar metafísica de
ontologia: enquanto a metafísica estuda o ser em geral, a ontologia estuda o
ser a partir da consciência do indivíduo, ou seja, busca o significado do ser a
partir da experiência concreta do homem.
b) Lógica
– estuda as regras do bom raciocínio. A correspondência entre o raciocínio e a
realidade. Modernamente desenvolveram-se a lógica dialética e a lógica
matemática.
c) Teoria do
Conhecimento – tem por objeto o
conhecimento em geral (a possibilidade de conhecer, a origem, a essência do
conhecimento e a natureza da verdade). d) Cosmologia
– reflete sobre a natureza do mundo físico (sua origem, constituição, o que é
tempo e espaço, etc).
e) Filosofia
Moral – tem como objeto todos os
aspectos relacionados ao agir humano. Reflete sobre o que é o bem e o mal,
sobre o fim da conduta humana, sobre o modo como os homens se comportam e sobre
os pressupostos necessários à ocorrência de um ato moral (liberdade,
consciência e norma).
f) Antropologia
Filosófica – procura responder à
pergunta: quem pé o homem. Tenta responder aos diversos aspectos da natureza
humana ou do comportamento humano: a racionalidade, a linguagem, a dimensão
física, o espírito, a sociabilidade, a religiosidade, a dimensão econômica, a
historicidade, a angústia, etc.
g) Filosofia Política - reflete sobre a necessidade, os fundamentos e a
legitimidade da constituição do poder público.
h) Filosofia da Linguagem – pensa os mais variados problemas relativos à
linguagem: sua origem, as condições necessárias à linguagem humana, suas
funções e suas relações com o pensamento. i) Filosofia da história – pensa
sobre a historicidade do ser humano, o sentido e a direção da história, a
natureza e o significado do tempo, enquanto pressuposto da história.
j) Estética – reflete sobre o belo em geral, tanto o belo produzido
pelo homem, quanto o belo natural.
k) Filosofia da
Religião – procura caracterizar o
sentimento de religiosidade do homem, a origem da religião, suas funções e suas
relações com as outras dimensões das experiências individuais e culturais
humanas.
l) Filosofia da
Ciência – investiga os fundamentos das
ciências, a natureza e os limites do conhecimento científico, seus métodos, sua
natureza e os limites do conhecimento científico.
m) Filosofia da
Educação – pensa sobre o sentido da
atividade educativa, a natureza do educando e os alcances dos métodos
desenvolvidos pela pedagogia. Estas são as algumas disciplinas filosóficas. Há
ainda outros campos, na medida em que a filosofia pode tomar como objeto de
pesquisa qualquer parte da realidade, quer em seu aspecto concreto, quer em seu
aspecto abstrato. Assim, num certo sentido, podemos dizer que “tudo passa pela
filosofia”.
Para que serve à Filosofia?
Vivemos em uma sociedade cuja mentalidade é fortemente
utilitarista. O utilitarismo, parente do pragmatismo, consiste na idéia de que
algo só merece ser levado a sério caso venha a dar resultados práticos
imediatos. A interioridade e a espiritualidade são menosprezadas e, com elas,
tudo o que diga respeito à valorização de si mesmo, como um ser vocacionado
para algo mais que um simples transitar pelo mundo, movido somente pelo
objetivo de desfrutar de todos os bens materiais que este possa lhe
proporcionar. Algumas atitudes de quem se comporta levado pela mentalidade
utilitarista: estuda somente para obter um diploma e ganhar dinheiro; aceita
uma religião só porque esta é capaz de lhe trazer certas vantagens, como por
exemplo: curas; tem amizades, na medida em que os amigos lhe possam ser úteis;
aceita a pesquisa científica, enquanto esta lhe traz certos benefícios. Vê o
mundo com os olhos do Tio Patinhas: dá dinheiro ou é imediatamente prático,
então vale a pena, caso contrário, não. Vista sob este ângulo, a filosofia pode
ser considerada inútil, pois não descobre remédios, não planeja formas de
ganhar dinheiro, não serve para fabricar máquinas ou coisas parecidas. Pelo
contrário, neste sentido, a filosofia é até mesmo perigosa, já que pode
despertar para uma visão das coisas em que a noção do útil vem a se alterar e
os valores materiais, ao invés de valores perenes, passam a ser considerados
como valores relativos e dependentes de outros como os valores intelectuais,
éticos, espirituais, etc. Quatro histórias para debate a) A raposa e as uvas b)
O sábio e o rico c) A roupa nova do rei d) As botas do camponês As histórias
mostram que a filosofia é um pensar coerente, pois faz emprego de recursos do
raciocínio lógico, profundo, enquanto vai até as raízes dos problemas, não
permanecendo na superfície (o contrário do achismo) e abrangente, já que
procura abordar as questões tendo presente o contexto em que estas se encontram
e a multiplicidade de respostas possíveis. Enfim, procura não somente explicar
as coisas, mas também em buscar o sentido que elas possam ter para a existência
humana.
A VISÃO MITOLÓGICA DO MUNDO
Vimos que a filosofia é uma forma nova de explicar o
mundo, surgida na Grécia por volta do século VI a.C. Isso posto, a pergunta que
se faz agora é a seguinte: como o mundo era entendido antes da filosofia? Os
seres humanos sempre se questionaram e procuraram uma forma de explicar o
surgimento do universo, bem como a posição que têm diante do mundo. Antes da
filosofia tais explicações eram dadas através dos mitos. A palavra mito vem do
grego mythos e significa narrativa, discurso, ação de recitar, mensagem,
anúncio. Os gregos antigos tentavam explicar a existência do mundo através de
mitos e de seres sobrenaturais, criando, assim, uma das mitologias mais ricas
da humanidade. A primeira característica do mito é a de se apresentar como
narrativa, fala, história. Relata grandes eventos, grandes feitos dos
antepassados, dos deuses, dos heróis. E, ao ser contado, merece a adesão
daqueles que o ouvem: é verdadeiro e deve ser aceito como tal. Distingue-se da
lenda, considerada uma narrativa não verídica. Para nós que vivemos fora do
contexto daquela sociedade onde o mito é apresentado, consideramos como lendas,
porque, para nós apesar de interessantes, aos nossos olhos parecem apenas
histórias fantásticas. No entanto, para os membros daquele grupo, os mitos não
só são histórias que relatam fatos reais como também são histórias sagradas,
pois, não se referem a pessoas ou fatos comuns, mas a entidades ou
acontecimentos especiais, responsáveis pela existência e manutenção das coisas,
favoráveis ou não. Visões míticas existiam no mundo todo, muito antes de os
filósofos começarem a questioná-las. Na Grécia, por volta de 700 a.C., Homero e
Hesíodo registraram por escrito boa parte do tesouro da mitologia grega. Tal
fato levou a uma situação inédita: uma vez colocados no papel, já se podia
discutir sobre eles. Os primeiros filósofos gregos criticaram a mitologia
descrita por Homero, porque para eles os deuses ali representados tinham muitas
semelhanças com os homens. De fato, eles eram exatamente tão egoístas e
traiçoeiros como qualquer um de nós. Pela primeira vez na história da
humanidade foi dito claramente que os mitos talvez não passassem de frutos da
imaginação do homem. Um exemplo dessa crítica aos mitos pode ser encontrado no
filósofo Xenófanes, nascido por volta de 570 a.C. Para ele, as pessoas teriam
criado os deuses `a sua imagem e semelhança: " Os mortais acreditam que os
deuses nascem, falam e se vestem de forma semelhante à sua própria...Os etíopes
imaginam seus deuses pretos e de nariz achatado; os tracianos, ao contrário, os
veem ruivos e de olhos azuis...Se as vacas, cavalos ou leões tivessem mãos,
eles criariam e representariam suas divindades à sua imagem e semelhança: os
deuses dos cavalos teriam feições equinas, os das vacas se pareceriam com elas,
e assim por diante".
O
princípio de todas as coisas - Os pré-socráticos
Os
primeiros pensadores centraram a atenção na natureza e elaboraram diversas
concepções cosmológicas. Note que dizemos cosmologia, conceito que se contrapõe
à cosmogonia de Hesíodo. Enquanto no período mítico a cosmogonia relata o
principio como origem no tempo (o nascimento dos deuses), as cosmologias dos
pré-socráticos procuraram a racionalidade constitutiva do Universo. Todos eles
procuraram explicar como, diante da mudança (do devir), podemos encontrar a
estabilidade; como, diante do múltiplo, descobrimos o uno. Ao perguntarem como
seria possível emergir o cosmo do caos – ou seja, como da confusão inicial
surge o mundo ordenado –, os pré-socráticos buscam o princípio (em grego, a arkhé)
de todas as coisas, entendido não como aquilo que antecede no tempo, mas como
fundamento do ser. Buscar a arkhé é
explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas.
As
respostas dos filósofos à questão do fundamento das coisas, da unidade que pode
explicar a multiplicidade, são as mais variadas.
Para
Tales de Mileto (640-c.548 a.C.),
astrônomo, matemático e primeiro filósofo, a arkhé é a água.
De
acordo com Pitágoras (séc. VI a.C),
filósofo e matemático, o número é a essência de tudo; todo cosmo é harmonia,
porque é ordenado pelos números.
Para
Anaximandro (610-547 a.C.), o
fundamento dos seres é uma matéria indeterminada, ilimitada (ápeiron, em
grego), que daria origem a todos os seres materiais.
Para Anaxímenes (588-524 a.C.), é o ar, que
rarefação e condensação faz nascer e transformar todas as coisas.
Parmênides de Eleia
(c.544-450 a. C.) e Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.C), desenvolveram teorias
que entraram em conflito e instigaram os filósofos do período clássico.
Enquanto para Parmênides o ser real é imóvel, imutável e o movimento é uma
ilusão, para Heráclito tudo flui e tudo o que é fixo é ilusão: “não nos
banhamos duas vezes no mesmo rio.”
Anaxágoras
(499-428 a.C.), nascido em Clazômena, mudou-se para Atenas, onde foi mestre de
Péricles. Sustentava que as “sementes” de todas as coisas foram ordenadas por
um princípio inteligente, uma Inteligência cósmica (Nous, em grego).
Empédocles
defendia os 4 elementos. (483-430 a. C.). Os quatro elementos, terra, água, ar,
e fogo constituía sua teoria filosófica.
Os
filósofos Leucipo (séc. V a.C.) e
Demócrito (c.460-c.370 a. C.) são atomistas, por considerarem o elemento
primordial constituído por átomos, partículas indivisíveis. Como para eles
também a alma era formada por átomos, estamos diante de uma concepção materialista
e determinista. (Marias, p.40 e 41).
O MITO DA CAVERNA
Platão
criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna, que serve para explicar a
evolução do processo de conhecimento. Segundo ele, a maioria dos seres humanos
se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a
abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz
que entra na caverna, o prisioneiro contempla na parede do fundo as projeções
dos seres que compõem a realidade. Acostumado a ver somente essas projeções,
assume a ilusão do que vê as sombras do real, como se fosse a verdadeira
realidade. Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade,
ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, às ilusões, teria
de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite,
depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranqüilas, até que pudesse
encarar diretamente o Sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.
O Conceito de Ética
O que ética? O que é moral? O que
ela estuda? Estas são perguntas rotineiras, feita por muitos, e de suma
importância para as relações humanas. Todo dia ouvimos falar de ética e falta
de ética, mas o que isso significa afinal?
A ética faz parte de uma das três
grandes áreas da filosofia, mais especificamente , é o estudo da ação – práxis.
Ao lado do estudo sobre o “conhecimento” – como a ciência, ou a lógica – e do
estudo sobre o “valor” – seja ele artístico, moral, ou científico – o estudo
sobre a ação engloba a totalidade do saber e da cultura humana. Está presente
no nosso cotidiano o tempo todo, seja nas decisões familiares, políticas, ou no
trabalho por exemplo.
A palavra ética tem origem no
termo grego ethos, que significava “bom costume”, “costume superior”, ou
“portador de caráter”. Impulsionado pelo crescimento da filosofia fora da
antiga Grécia o conceito de ethos se proliferou pelas diversas civilizações que
mantiveram contato com sua cultura. A contribuição mais relevante se deu com os
filósofos latinos. Em Roma o termo grego foi traduzido como “mor-morus” que
também significava “costume mor” ou “costume superior”. É dessa tradução latina
que surge a palavra “moral” em português.
No decorrer da história do
pensamento a ética se tornou cada vez mais um assunto rico, complexo e
abrangente. Com a expansão da filosofia, e em especial o pensamento sobre a
ação, foi preciso distinguir os termos ética e moral. No século XX o filósofo
espanhol Adolfo Sánches Vásquez cria uma famosa diferenciação entre os dois conceitos.
Para ele o termo moral se refere a uma reflexão que a pessoa faz de sua própria
ação. Já o termo ética abrange o estudo dos discursos morais, bem como os
critérios de escolha para valorar e padronizar as condutas numa família,
empresa ou sociedade.
Definir o que é um agir ético,
moral, correto ou virtuoso é se inscrever numa disputa social pela definição
legítima da boa conduta. Da conduta verdadeira e necessária. Avaliar a melhor
maneira de agir pode ser visto de pontos de vista totalmente diversos.
Marxistas, liberais, mulçumanos, psicanalistas, jornalistas e políticos agem e
valoram as ações de maneira diferente. Porém todos eles lutam pela definição
mais legitima de uma “boa ação” ou da “ação correta”.
Sem pretensões de impor uma
definição legítima sobre a conduta moral, nós, do Espaço Ética, deixaremos os
filósofos falarem por eles mesmos. Elencamos o que cada um dos principais
pensadores têm a dizer sobre o assunto.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.)
“Ética a Nicomacos”
A excelência moral se relaciona
com as emoções e ações, e somente as emoções e ações voluntárias são louvadas e
censuradas, enquanto as involuntárias são perdoadas, e às vezes inspiram
piedade; logo, a distinção entre o voluntário e o involuntário parece necessária
aos estudiosos da natureza da excelência moral, e será útil também aos
legisladores com vistas à atribuição de honrarias e à aplicação de punições.
(…)
Mas há algumas dúvidas quanto ás
ações praticadas em conseqüência do medo de males maiores com vistas a algum
objetivo elevado[1097b] (por exemplo, um tirano que tendo em seu poder os pais
e filhos de uma pessoa, desse uma ordem ignóbil a esta, tendo em vista que o
não cumprimento acarretasse na morte dos reféns); é discutível se tais ações
são involuntárias ou voluntárias. (…) Tais ações, então, são mistas mas se
assemelham mais as voluntárias, pois são objeto de escolha no momento de serem
praticadas, e a finalidade de uma ação varia de acordo com a oportunidade, de
tal forma que as palavras “voluntário” e “involuntário” devem ser usadas com
referência ao momento da ação; com efeito, nos atos em questão as pessoas agem
voluntariamente, portanto são voluntárias, embora talvez sejam involuntárias de
maneira geral, pois ninguém escolheria qualquer destes atos por si mesmos.
Immanuel Kant (1724-1804)
“Fundamentação da Metafísica dos Costumes”
Neste mundo, e se houver um fora
dele, nada é possível pensar eu que possa ser considerado como bom sem
limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade. Discernimento, argúcia de
espírito, capacidade de julgar, e como quer que possam chamar-se os demais
talentos do espírito, ou ainda coragem, decisão constância de propósito, como
qualidades do temperamento, são sem dúvida, a muitos respeitos, coisas boas e
desejáveis; mas também podem tornar-se extremamente más e prejudiciais se a
vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais, constituintes do caráter,
não for boa.
(…)
Na constituição natural de um ser
organizado para a vida, admitimos, por princípio, que nele não haja nenhum
órgão destinado à realização de um fim que não seja o mais adequado e adaptado
a este fim. Ora, se num ser dotado de razão e de vontade a natureza tivesse por
finalidade última sua conservação, seu bem-estar ou, em uma palavra, sua felicidade,
ela teria se equivocado ao escolher a razão para alcançá-la. Isto porque, todas
as ações que este ser deverá realizar nesse sentido, bem como a regra completa
de sua conduta, ser-lhe-iam indicadas com muito maior precisão pelo instinto.
(…)
Uma vez que despojei a vontade de
todos os estímulos que lhe poderiam advir da obediência a qualquer lei, nada
mais resta do que a conformidade a uma lei universal das ações em geral que
possam servir de único princípio à vontade, isto é: devo proceder sempre da mesma
maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei
universal. Aqui é pois a simples conformidade a lei em geral, o que serve de
princípio à vontade, o também o que tem de lhe servir de princípio, para que o
dever não seja por toda parte uma vã ilusão e um conceito quimérico.; e com
isto está perfeitamente de acordo com a comum ação humana nos seus juízos
práticos e também sempre diante dos olhos este princípio.
Jeremy Bentham (1748 – 1832) “Uma
Introdução aos Princípios da Moral”
Pode-se dizer que uma pessoa é
partidária de uma ética utilitarista quando afirma que a aprovação ou
desaprovação de alguma conduta foi determinada pela tendência de tal conduta a
aumentar ou diminuir a felicidade da comunidade e a sua própria.
Augusto Comte (1798-1875)
“Catecismo Positivista”
Sacerdote: – É verdade que o
positivismo não reconhece a ninguém outro direito senão o de sempre cumprir seu
dever. Em termos mais corretos, nossa religião (positivista) impõe a todos a
obrigação de ajudar cada um a preencher sua própria função. A noção de direito
deve desaparecer do campo político, como a noção de causa do campo filosófico.
Porque ambas se reportam a vontades indiscutíveis. Assim, quaisquer direitos
supõem necessariamente uma fonte sobrenatural, única que pode subtraí-los á
discussão humana. (…)
O positivismo
não admite nunca senão deveres de todos em relação a todos. Porque seu ponto de
vista sempre social não pode comportar nenhuma noção de direito, constantemente
fundada na individualidade. Em que fundamento humano deveria, pois, se assentar
a idéia de direito, que suporia racionalmente uma eficácia prévia? Quaisquer
que sejam nossos esforços, a mais longa vida bem empregada não nos permitirá
nunca devolver senão uma porção imperceptível do que recebemos. Não seria
senão, contudo, só depois de uma restituição completa que estaríamos dignamente
autorizados a reclamar a reciprocidade de novos serviços. Todo direito humano
é, pois, tão absurdo quanto imoral. Posto que não há mais direitos divinos,
esta noção deve se apagar completamente, como puramente relativa ao regime
preliminar, e diretamente incompatível com o estado final, que só admite
deveres segundo as funções.
Simone de Beauvoir (1909 – 1986)
“Moral da Ambigüidade”
Existir é fazer-se carência de ser,
é lançar-se no mundo: pode-se considerar como sub-humano os que se ocupam em
paralisar esse movimento original; eles têm olhos e ouvidos, mas fazem-se desde
a infância cegos e surdos, sem desejo. Essa apatia demonstra um medo
fundamental diante da existência, diante dos riscos e da tensão que ela
implica; o sub-homem recusa essa paixão que é a sua condição de homem, o
dilaceramento e o fracasso deste impulso em direção do ser que nunca alcança
seu fim; mas com isso, é a existência mesma que ele recusa.
(…) A má-fé do homem sério provém de que ele é obrigado,
sem cessar, a renovar a renegação dessa liberdade. Ele escolhe viver num mundo
infantil, mas à criança, os valores são realmente dados. O homem sério deve
mascarar esse movimento através do qual se dá os valores, tal como a mitômana,
que lendo uma carta de amor, finge esquecer que essa lhe foi enviada por si
mesma.
* Esta lista de textos
filosóficos sobre ética foi feita inicialmente pelo Prof. Ms. Arthur Meucci
para o Portal do Espaço Ética. A lista de citações será atualizada em ambos os
sites pelo professor com regularidade. Você pode consultar textos sobre ética
gratuitamente em nossa seção de Textos de Suporte ou ainda nos artigos escritos
para revistas.
Fontes:
HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje. Rio de Janeiro:
Lumen Juris Editora, 2008.
VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de filosofia. São
Paulo: Rideel, 2010.
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história
da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Currículo do Estado de São Paulo – Caderno do
Professor/14
FILOSOFANDO. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA. EDITORA MODERNA. MARIA LUCIADE ARRUDA ARANHA.
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