domingo, 23 de fevereiro de 2014

Síntese Filosófica - 3ª Série / EM






Introdução Aos Estudos Filosóficos
3ª Série / Ensino Médio


A pólis e o nascimento da Filosofia


O declínio do mundo dos Mitos

            Na história do pensamento ocidental, a filosofia nasce na Grécia por volta do século VI (ou VII) a.C. Por meio de longo processo histórico, surge promovendo a passagem do saber mítico ao pensamento racional, sem, entretanto, romper bruscamente com todos os conhecimentos do passado. Durante muito tempo, os primeiros filósofos gregos compartilharam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o conhecimento racional que caracterizaria a filosofia. Essa passagem do mito à razão “significa precisamente que já havia, de um lado, uma lógica do mito e que, de outro lado, na realidade filosófica ainda está incluído o poder do lendário”.
            Em outras palavras, a filosofia grega nasceu procurando desenvolver o logos (saber racional) em contraste com o mito (saber alegórico). A força da mensagem dos mitos reside, portanto, na capacidade que eles têm de sensibilizar estruturas profundas, inconscientes, do psiquismo humano.

Mitologia grega
            Os gregos cultuavam uma série de deuses (Zeus, Hera, Ares, Atena, etc.), além de heróis ou semideuses (Teseu, Hércules, Perseu, etc.). Relatando a vida dos deuses e dos heróis e seu envolvimento com os homens, os gregos criaram uma rica mitologia, conjunto de lendas e crenças que, de modo simbólico, fornecem explicações para a realidade universal. Integra a mitologia grega grande número de “relatos maravilhosos” e de lendas que inspiraram diversas obras artísticas ocidentais. O mito de Édipo, rico em significados, é um exemplo disso. Na Antiguidade, ele foi utilizado pelo dramaturgo Sófocles (496-406 a.C.), na tragédia Édipo rei, para uma reflexão sobre  as questões da culpa e da responsabilidade dos homens perante as normas e tabus (comportamento que, dentro dos costumes de uma comunidade, é considerado nocivo e perigoso, sendo por isso proibido a seus membros). Damos em seguida um resumo desse relato mítico.

O exercício da razão na pólis grega
            O momento histórico da Grécia Antiga em que se afirma a utilização do logos (a razão) para resolver os problemas da vida está vinculado à organização da pólis, Cidade-estado grega, conforme a análise do historiador francês contemporâneo Jean-Pierre Vernant. A pólis era uma nova forma de organização social e política em que os cidadãos dirigiam os destinos da cidade. A pólis foi uma criação dos cidadãos, e não dos deuses. E podia ser explicada e organizada pela razão. Com o tempo, o raciocínio correto, bem formulado, tornou-se o modo adotado para se pensar sobre todas as coisas, não só as questões políticas.
Pré-socráticos
Os primeiros filósofos gregos
            De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até o aparecimento de Sócrates (468-399 a.C.).          

Sofistas
Os primeiros mestres na arte da argumentação
            O período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela investigação da natureza. Essa investigação tinha como vimos no capítulo anterior, um sentido cosmológico. Era a busca de explicações racionais para o universo manifestada na procura de um princípio primordial (arché) para todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos sofistas. Etimologicamente, o termo sofista significa “sábio”. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de “impostor”, devido, sobretudo, às críticas de Platão.
            Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloqüência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados. O momento histórico vivido pela civilização grega favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembléias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para conseguir persuadir em assembléias e, muitas vezes, fazer prevalecer seus interesses individuais e de classe. As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários. Todas essas características dos ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Conforme vimos anteriormente, para o relativismo, não há uma verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias.        
Nem heróis nem vilões
            Foi, sobretudo, devido a Platão que se considerou a sofística apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade. Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e não podem ser reduzidas a uma única verdade. Não existem valores ou verdades absolutas. É importante lembrar que não existe uma doutrina sofística única. O que há são alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas, como Protágoras, Górgias e outros.

Etimologia

Filosofia – A palavra filosofia vem do grego (philos+sophia) que significa “amor à sabedoria” ou “amizade pelo saber”. Pitágoras (séc.VI. a.C.), filósofo matemático grego, teria sido o primeiro a usar o termo filosófico, por não se considerar um “sábio” (sophos), mas apenas alguém que ama e procura a sabedoria. (Marias, p.19)

Períodos da Filosofia

Pré-socrático (séc. VII e VI a. C.). Os primeiros filósofos ocupavam-se com questões cosmológicas, iniciando a separação entre filosofia e o pensamento mítico.
Socrático ou clássico (séc. V e IV a. C.). Ênfase nas questões antropológicas e maior sistematização do pensamento. Desse período fazem parte os sofistas, o próprio Sócrates, seu discípulo Platão e Aristóteles, discípulo de Platão. 
Pós-sócrates (séc. III e II a.C). Durante o helenismo, preponderou o interesse pela física e pela ética. Surgiram as correntes filosóficas do estoicismo (Zenão de Cítio), do hedonismo (Epicuro) e do ceticismo (Pirro de Élida). (Marias, p.40)

Periodização da História da Grécia Antiga

Civilização micênica (sécs. XX a XII a.C). Desenvolveu-se desde o início do segundo milênio a.C. Tem esse nome pela importância da cidade de Micenas, de onde, por volta de 1250 a.C., partiram Agamênon, Aquiles e Ulisses para sitiar e conquistar Tróia.
Tempos homéricos (sécs. XII a VIII a.C). Na transição de um mundo essencialmente rural, os senhores enriquecidos formam a aristocracia proprietária de terras, que fez recrudescer o sistema escravista. Nesse período teria vivido Homero (sécs. IX ou VIII a.C).
Período arcaico (sécs. VIII a VI a. C.). Com a formação das cidades-estados (póleis), ocorreram grandes alterações sociais e políticas, bem como o desenvolvimento do comércio e a expansão da colonização grega. No inicio desse período teria vivido Hesíodo. No final do século VII e durante o século VI a. C. surgiram os primeiros filósofos.
Período clássico (sécs. V e IV a.C.). Auge da civilização grega; na política, o apogeu da democracia ateniense; desenvolvimento das artes, literatura e Filosofia; época em que viveram os sofistas e os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles.
Período helenístico (sécs. III e II a.C.). Decadência política, domínio macedônico e conquista da Grécia pelos romanos; culturalmente, significava influencia das civilizações orientais; florescimento das filosofias estoica e epicurista.  (Marias, p.37)

Períodos da História da Filosofia
Para trabalhar a questão de quando viveu um filósofo, deve ser considerada a sua posição na clássica divisão da História da Filosofia: Filosofia Antiga, Filosofia Medieval, Filosofia Moderna e Filosofia Contemporânea. Além disso, mesmo respeitando essa tradição, convém considerar a especificidade de cada autor, evitando generalizações. Importa, aqui, levar em conta o contexto histórico-social em que viveu o pensador. É necessário, portanto possibilitar uma visão geral sobre cada uma dessas divisões, explicadas nas sínteses a seguir:
Filosofia Antiga: Trata-se do início da Filosofia (φ), da identificação de seus primeiros problemas. A φ Antiga abrange um período que vai do final do séc. VI a.C até o séc.VII d.C. Tendo como espaços iniciais as cidades-estados da Grécia, chamadas polis, seu desenvolvimento atingiu várias cidades do Império Romano, inclusiva no norte da África. Os escritos da época foram produzidos, e geral, em grego e latim, mas os espaços culturais onde φ Antiga se desenvolveu eram bastante heterogêneos. Muitos textos desses pensadores acabaram se perdendo, restando-nos apenas alguns livros e fragmentos.
Filosofia Medieval: A φ Medieval se desenvolveu no período que vai do século VIII ao séc. XIV. Seus espaços foram, principalmente, os mosteiros e ordens religiosas europeias, onde a Igreja Católica tinha hegemonia. Entretanto, houve manifestações filosóficas fora do mundo cristão, em especial no mundo árabe e judeu. A φ Medieval foi uma das responsáveis pela criação das universidades. Sua principal discussão: a relação entre a fé e razão, ou seja, a tentativa de separar o que pertenceria a Deus (teologia) e que pertenceria aos homens (filosofia).
Filosofia Moderna: Iniciada no séc. XIV, φ Moderna se estende ate o final do séc. XVIII, no continente europeu. Nessa época, a Europa foi palco do desenvolvimento do capitalismo, da formação dos Estados Nacionais, das grandes navegações e dos processos de colonização e formação dos impérios. A Igreja Católica dividiu a hegemonia com o protestantismo e com as ideias que incentivavam a liberdade do homem frente à religião. Sua s pela criação das universidades. Sua principal discussão: a relação entre a fé e razão, ou seja, a tentativa de separar o que pertenceria a Deus (teologia) e que pertenceria aos homens (filosofia).
Filosofia Contemporânea: A φ Contemporânea se estende do final do séc. XVIII até os nossos dias. É possível dizer que seus problemas inspiram-se na Revolução Francesa e na revolução Industrial, com a crescente desumanização do processo social de produção.

As disciplinas filosóficas
 Desde seu surgimento na Grécia Antiga, em torno do século VI a. C., a filosofia foi ampliando os temas de suas reflexões até alcançar a vastidão que tem hoje. O surgimento de vários campos da filosofia obedeceu, e ainda obedecem, às exigências do pensamento humano, suas necessidades e crises ao longo da história, pois, se a filosofia é crítica sobre a vida, ela vai repensar exatamente aquelas questões que incomodam em cada momento da história humana.
Principais disciplinas filosóficas ou campos de estudo:
a) Metafísica (ontologia) – reflete sobre o SER. Estuda o ser em geral, quando tenta buscar o que as coisas são. O que é o ser? Quando estuda o ser em particular, dedica-se ao estudo racional da alma, do mundo (cosmologia) ou de Deus (teodiceia). Alguns autores chegam a diferenciar metafísica de ontologia: enquanto a metafísica estuda o ser em geral, a ontologia estuda o ser a partir da consciência do indivíduo, ou seja, busca o significado do ser a partir da experiência concreta do homem.
 b) Lógica – estuda as regras do bom raciocínio. A correspondência entre o raciocínio e a realidade. Modernamente desenvolveram-se a lógica dialética e a lógica matemática.
c) Teoria do Conhecimento – tem por objeto o conhecimento em geral (a possibilidade de conhecer, a origem, a essência do conhecimento e a natureza da verdade). d) Cosmologia – reflete sobre a natureza do mundo físico (sua origem, constituição, o que é tempo e espaço, etc).
e) Filosofia Moral – tem como objeto todos os aspectos relacionados ao agir humano. Reflete sobre o que é o bem e o mal, sobre o fim da conduta humana, sobre o modo como os homens se comportam e sobre os pressupostos necessários à ocorrência de um ato moral (liberdade, consciência e norma).
f) Antropologia Filosófica – procura responder à pergunta: quem pé o homem. Tenta responder aos diversos aspectos da natureza humana ou do comportamento humano: a racionalidade, a linguagem, a dimensão física, o espírito, a sociabilidade, a religiosidade, a dimensão econômica, a historicidade, a angústia, etc.
g) Filosofia Política - reflete sobre a necessidade, os fundamentos e a legitimidade da constituição do poder público.
 h) Filosofia da Linguagem – pensa os mais variados problemas relativos à linguagem: sua origem, as condições necessárias à linguagem humana, suas funções e suas relações com o pensamento. i) Filosofia da história – pensa sobre a historicidade do ser humano, o sentido e a direção da história, a natureza e o significado do tempo, enquanto pressuposto da história.
j) Estética – reflete sobre o belo em geral, tanto o belo produzido pelo homem, quanto o belo natural.
k) Filosofia da Religião – procura caracterizar o sentimento de religiosidade do homem, a origem da religião, suas funções e suas relações com as outras dimensões das experiências individuais e culturais humanas.
l) Filosofia da Ciência – investiga os fundamentos das ciências, a natureza e os limites do conhecimento científico, seus métodos, sua natureza e os limites do conhecimento científico.
m) Filosofia da Educação – pensa sobre o sentido da atividade educativa, a natureza do educando e os alcances dos métodos desenvolvidos pela pedagogia. Estas são as algumas disciplinas filosóficas. Há ainda outros campos, na medida em que a filosofia pode tomar como objeto de pesquisa qualquer parte da realidade, quer em seu aspecto concreto, quer em seu aspecto abstrato. Assim, num certo sentido, podemos dizer que “tudo passa pela filosofia”.
Para que serve à Filosofia? 
Vivemos em uma sociedade cuja mentalidade é fortemente utilitarista. O utilitarismo, parente do pragmatismo, consiste na idéia de que algo só merece ser levado a sério caso venha a dar resultados práticos imediatos. A interioridade e a espiritualidade são menosprezadas e, com elas, tudo o que diga respeito à valorização de si mesmo, como um ser vocacionado para algo mais que um simples transitar pelo mundo, movido somente pelo objetivo de desfrutar de todos os bens materiais que este possa lhe proporcionar. Algumas atitudes de quem se comporta levado pela mentalidade utilitarista: estuda somente para obter um diploma e ganhar dinheiro; aceita uma religião só porque esta é capaz de lhe trazer certas vantagens, como por exemplo: curas; tem amizades, na medida em que os amigos lhe possam ser úteis; aceita a pesquisa científica, enquanto esta lhe traz certos benefícios. Vê o mundo com os olhos do Tio Patinhas: dá dinheiro ou é imediatamente prático, então vale a pena, caso contrário, não. Vista sob este ângulo, a filosofia pode ser considerada inútil, pois não descobre remédios, não planeja formas de ganhar dinheiro, não serve para fabricar máquinas ou coisas parecidas. Pelo contrário, neste sentido, a filosofia é até mesmo perigosa, já que pode despertar para uma visão das coisas em que a noção do útil vem a se alterar e os valores materiais, ao invés de valores perenes, passam a ser considerados como valores relativos e dependentes de outros como os valores intelectuais, éticos, espirituais, etc. Quatro histórias para debate a) A raposa e as uvas b) O sábio e o rico c) A roupa nova do rei d) As botas do camponês As histórias mostram que a filosofia é um pensar coerente, pois faz emprego de recursos do raciocínio lógico, profundo, enquanto vai até as raízes dos problemas, não permanecendo na superfície (o contrário do achismo) e abrangente, já que procura abordar as questões tendo presente o contexto em que estas se encontram e a multiplicidade de respostas possíveis. Enfim, procura não somente explicar as coisas, mas também em buscar o sentido que elas possam ter para a existência humana.

A VISÃO MITOLÓGICA DO MUNDO

Vimos que a filosofia é uma forma nova de explicar o mundo, surgida na Grécia por volta do século VI a.C. Isso posto, a pergunta que se faz agora é a seguinte: como o mundo era entendido antes da filosofia? Os seres humanos sempre se questionaram e procuraram uma forma de explicar o surgimento do universo, bem como a posição que têm diante do mundo. Antes da filosofia tais explicações eram dadas através dos mitos. A palavra mito vem do grego mythos e significa narrativa, discurso, ação de recitar, mensagem, anúncio. Os gregos antigos tentavam explicar a existência do mundo através de mitos e de seres sobrenaturais, criando, assim, uma das mitologias mais ricas da humanidade. A primeira característica do mito é a de se apresentar como narrativa, fala, história. Relata grandes eventos, grandes feitos dos antepassados, dos deuses, dos heróis. E, ao ser contado, merece a adesão daqueles que o ouvem: é verdadeiro e deve ser aceito como tal. Distingue-se da lenda, considerada uma narrativa não verídica. Para nós que vivemos fora do contexto daquela sociedade onde o mito é apresentado, consideramos como lendas, porque, para nós apesar de interessantes, aos nossos olhos parecem apenas histórias fantásticas. No entanto, para os membros daquele grupo, os mitos não só são histórias que relatam fatos reais como também são histórias sagradas, pois, não se referem a pessoas ou fatos comuns, mas a entidades ou acontecimentos especiais, responsáveis pela existência e manutenção das coisas, favoráveis ou não. Visões míticas existiam no mundo todo, muito antes de os filósofos começarem a questioná-las. Na Grécia, por volta de 700 a.C., Homero e Hesíodo registraram por escrito boa parte do tesouro da mitologia grega. Tal fato levou a uma situação inédita: uma vez colocados no papel, já se podia discutir sobre eles. Os primeiros filósofos gregos criticaram a mitologia descrita por Homero, porque para eles os deuses ali representados tinham muitas semelhanças com os homens. De fato, eles eram exatamente tão egoístas e traiçoeiros como qualquer um de nós. Pela primeira vez na história da humanidade foi dito claramente que os mitos talvez não passassem de frutos da imaginação do homem. Um exemplo dessa crítica aos mitos pode ser encontrado no filósofo Xenófanes, nascido por volta de 570 a.C. Para ele, as pessoas teriam criado os deuses `a sua imagem e semelhança: " Os mortais acreditam que os deuses nascem, falam e se vestem de forma semelhante à sua própria...Os etíopes imaginam seus deuses pretos e de nariz achatado; os tracianos, ao contrário, os veem ruivos e de olhos azuis...Se as vacas, cavalos ou leões tivessem mãos, eles criariam e representariam suas divindades à sua imagem e semelhança: os deuses dos cavalos teriam feições equinas, os das vacas se pareceriam com elas, e assim por diante".

O princípio de todas as coisas - Os pré-socráticos

Os primeiros pensadores centraram a atenção na natureza e elaboraram diversas concepções cosmológicas. Note que dizemos cosmologia, conceito que se contrapõe à cosmogonia de Hesíodo. Enquanto no período mítico a cosmogonia relata o principio como origem no tempo (o nascimento dos deuses), as cosmologias dos pré-socráticos procuraram a racionalidade constitutiva do Universo. Todos eles procuraram explicar como, diante da mudança (do devir), podemos encontrar a estabilidade; como, diante do múltiplo, descobrimos o uno. Ao perguntarem como seria possível emergir o cosmo do caos – ou seja, como da confusão inicial surge o mundo ordenado –, os pré-socráticos buscam o princípio (em grego, a arkhé) de todas as coisas, entendido não como aquilo que antecede no tempo, mas como fundamento do ser. Buscar a arkhé é explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas.
As respostas dos filósofos à questão do fundamento das coisas, da unidade que pode explicar a multiplicidade, são as mais variadas.

Para Tales de Mileto (640-c.548 a.C.), astrônomo, matemático e primeiro filósofo, a arkhé é a água.
De acordo com Pitágoras (séc. VI a.C), filósofo e matemático, o número é a essência de tudo; todo cosmo é harmonia, porque é ordenado pelos números.
Para Anaximandro (610-547 a.C.), o fundamento dos seres é uma matéria indeterminada, ilimitada (ápeiron, em grego), que daria origem a todos os seres materiais.
Para Anaxímenes (588-524 a.C.), é o ar, que rarefação e condensação faz nascer e transformar todas as coisas.
Parmênides de Eleia (c.544-450 a. C.) e Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.C), desenvolveram teorias que entraram em conflito e instigaram os filósofos do período clássico. Enquanto para Parmênides o ser real é imóvel, imutável e o movimento é uma ilusão, para Heráclito tudo flui e tudo o que é fixo é ilusão: “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio.”
Anaxágoras (499-428 a.C.), nascido em Clazômena, mudou-se para Atenas, onde foi mestre de Péricles. Sustentava que as “sementes” de todas as coisas foram ordenadas por um princípio inteligente, uma Inteligência cósmica (Nous, em grego).
Empédocles defendia os 4 elementos. (483-430 a. C.). Os quatro elementos, terra, água, ar, e fogo constituía sua teoria filosófica.
Os filósofos Leucipo (séc. V a.C.) e Demócrito (c.460-c.370 a. C.) são atomistas, por considerarem o elemento primordial constituído por átomos, partículas indivisíveis. Como para eles também a alma era formada por átomos, estamos diante de uma concepção materialista e determinista.  (Marias, p.40 e 41).

O MITO DA CAVERNA
Platão criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna, que serve para explicar a evolução do processo de conhecimento. Segundo ele, a maioria dos seres humanos se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro contempla na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a realidade. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê as sombras do real, como se fosse a verdadeira realidade. Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, às ilusões, teria de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranqüilas, até que pudesse encarar diretamente o Sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.

O Conceito de Ética
O que ética? O que é moral? O que ela estuda? Estas são perguntas rotineiras, feita por muitos, e de suma importância para as relações humanas. Todo dia ouvimos falar de ética e falta de ética, mas o que isso significa afinal?
A ética faz parte de uma das três grandes áreas da filosofia, mais especificamente , é o estudo da ação – práxis. Ao lado do estudo sobre o “conhecimento” – como a ciência, ou a lógica – e do estudo sobre o “valor” – seja ele artístico, moral, ou científico – o estudo sobre a ação engloba a totalidade do saber e da cultura humana. Está presente no nosso cotidiano o tempo todo, seja nas decisões familiares, políticas, ou no trabalho por exemplo.
A palavra ética tem origem no termo grego ethos, que significava “bom costume”, “costume superior”, ou “portador de caráter”. Impulsionado pelo crescimento da filosofia fora da antiga Grécia o conceito de ethos se proliferou pelas diversas civilizações que mantiveram contato com sua cultura. A contribuição mais relevante se deu com os filósofos latinos. Em Roma o termo grego foi traduzido como “mor-morus” que também significava “costume mor” ou “costume superior”. É dessa tradução latina que surge a palavra “moral” em português.
No decorrer da história do pensamento a ética se tornou cada vez mais um assunto rico, complexo e abrangente. Com a expansão da filosofia, e em especial o pensamento sobre a ação, foi preciso distinguir os termos ética e moral. No século XX o filósofo espanhol Adolfo Sánches Vásquez cria uma famosa diferenciação entre os dois conceitos. Para ele o termo moral se refere a uma reflexão que a pessoa faz de sua própria ação. Já o termo ética abrange o estudo dos discursos morais, bem como os critérios de escolha para valorar e padronizar as condutas numa família, empresa ou sociedade.
Definir o que é um agir ético, moral, correto ou virtuoso é se inscrever numa disputa social pela definição legítima da boa conduta. Da conduta verdadeira e necessária. Avaliar a melhor maneira de agir pode ser visto de pontos de vista totalmente diversos. Marxistas, liberais, mulçumanos, psicanalistas, jornalistas e políticos agem e valoram as ações de maneira diferente. Porém todos eles lutam pela definição mais legitima de uma “boa ação” ou da “ação correta”.
Sem pretensões de impor uma definição legítima sobre a conduta moral, nós, do Espaço Ética, deixaremos os filósofos falarem por eles mesmos. Elencamos o que cada um dos principais pensadores têm a dizer sobre o assunto.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) “Ética a Nicomacos”
A excelência moral se relaciona com as emoções e ações, e somente as emoções e ações voluntárias são louvadas e censuradas, enquanto as involuntárias são perdoadas, e às vezes inspiram piedade; logo, a distinção entre o voluntário e o involuntário parece necessária aos estudiosos da natureza da excelência moral, e será útil também aos legisladores com vistas à atribuição de honrarias e à aplicação de punições. (…)
Mas há algumas dúvidas quanto ás ações praticadas em conseqüência do medo de males maiores com vistas a algum objetivo elevado[1097b] (por exemplo, um tirano que tendo em seu poder os pais e filhos de uma pessoa, desse uma ordem ignóbil a esta, tendo em vista que o não cumprimento acarretasse na morte dos reféns); é discutível se tais ações são involuntárias ou voluntárias. (…) Tais ações, então, são mistas mas se assemelham mais as voluntárias, pois são objeto de escolha no momento de serem praticadas, e a finalidade de uma ação varia de acordo com a oportunidade, de tal forma que as palavras “voluntário” e “involuntário” devem ser usadas com referência ao momento da ação; com efeito, nos atos em questão as pessoas agem voluntariamente, portanto são voluntárias, embora talvez sejam involuntárias de maneira geral, pois ninguém escolheria qualquer destes atos por si mesmos.
Immanuel Kant (1724-1804) “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”
Neste mundo, e se houver um fora dele, nada é possível pensar eu que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade. Discernimento, argúcia de espírito, capacidade de julgar, e como quer que possam chamar-se os demais talentos do espírito, ou ainda coragem, decisão constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem dúvida, a muitos respeitos, coisas boas e desejáveis; mas também podem tornar-se extremamente más e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais, constituintes do caráter, não for boa.
(…)
Na constituição natural de um ser organizado para a vida, admitimos, por princípio, que nele não haja nenhum órgão destinado à realização de um fim que não seja o mais adequado e adaptado a este fim. Ora, se num ser dotado de razão e de vontade a natureza tivesse por finalidade última sua conservação, seu bem-estar ou, em uma palavra, sua felicidade, ela teria se equivocado ao escolher a razão para alcançá-la. Isto porque, todas as ações que este ser deverá realizar nesse sentido, bem como a regra completa de sua conduta, ser-lhe-iam indicadas com muito maior precisão pelo instinto.
(…)
Uma vez que despojei a vontade de todos os estímulos que lhe poderiam advir da obediência a qualquer lei, nada mais resta do que a conformidade a uma lei universal das ações em geral que possam servir de único princípio à vontade, isto é: devo proceder sempre da mesma maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal. Aqui é pois a simples conformidade a lei em geral, o que serve de princípio à vontade, o também o que tem de lhe servir de princípio, para que o dever não seja por toda parte uma vã ilusão e um conceito quimérico.; e com isto está perfeitamente de acordo com a comum ação humana nos seus juízos práticos e também sempre diante dos olhos este princípio.
Jeremy Bentham (1748 – 1832) “Uma Introdução aos Princípios da Moral”
Pode-se dizer que uma pessoa é partidária de uma ética utilitarista quando afirma que a aprovação ou desaprovação de alguma conduta foi determinada pela tendência de tal conduta a aumentar ou diminuir a felicidade da comunidade e a sua própria.
Augusto Comte (1798-1875) “Catecismo Positivista”
Sacerdote: – É verdade que o positivismo não reconhece a ninguém outro direito senão o de sempre cumprir seu dever. Em termos mais corretos, nossa religião (positivista) impõe a todos a obrigação de ajudar cada um a preencher sua própria função. A noção de direito deve desaparecer do campo político, como a noção de causa do campo filosófico. Porque ambas se reportam a vontades indiscutíveis. Assim, quaisquer direitos supõem necessariamente uma fonte sobrenatural, única que pode subtraí-los á discussão humana. (…)

O positivismo não admite nunca senão deveres de todos em relação a todos. Porque seu ponto de vista sempre social não pode comportar nenhuma noção de direito, constantemente fundada na individualidade. Em que fundamento humano deveria, pois, se assentar a idéia de direito, que suporia racionalmente uma eficácia prévia? Quaisquer que sejam nossos esforços, a mais longa vida bem empregada não nos permitirá nunca devolver senão uma porção imperceptível do que recebemos. Não seria senão, contudo, só depois de uma restituição completa que estaríamos dignamente autorizados a reclamar a reciprocidade de novos serviços. Todo direito humano é, pois, tão absurdo quanto imoral. Posto que não há mais direitos divinos, esta noção deve se apagar completamente, como puramente relativa ao regime preliminar, e diretamente incompatível com o estado final, que só admite deveres segundo as funções.
Simone de Beauvoir (1909 – 1986) “Moral da Ambigüidade”
Existir é fazer-se carência de ser, é lançar-se no mundo: pode-se considerar como sub-humano os que se ocupam em paralisar esse movimento original; eles têm olhos e ouvidos, mas fazem-se desde a infância cegos e surdos, sem desejo. Essa apatia demonstra um medo fundamental diante da existência, diante dos riscos e da tensão que ela implica; o sub-homem recusa essa paixão que é a sua condição de homem, o dilaceramento e o fracasso deste impulso em direção do ser que nunca alcança seu fim; mas com isso, é a existência mesma que ele recusa.(…) A má-fé do homem sério provém de que ele é obrigado, sem cessar, a renovar a renegação dessa liberdade. Ele escolhe viver num mundo infantil, mas à criança, os valores são realmente dados. O homem sério deve mascarar esse movimento através do qual se dá os valores, tal como a mitômana, que lendo uma carta de amor, finge esquecer que essa lhe foi enviada por si mesma.
* Esta lista de textos filosóficos sobre ética foi feita inicialmente pelo Prof. Ms. Arthur Meucci para o Portal do Espaço Ética. A lista de citações será atualizada em ambos os sites pelo professor com regularidade. Você pode consultar textos sobre ética gratuitamente em nossa seção de Textos de Suporte ou ainda nos artigos escritos para revistas.



Fontes:

HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008.

VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de filosofia. São Paulo: Rideel, 2010.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


Currículo do Estado de São Paulo – Caderno do Professor/14

FILOSOFANDO. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA. EDITORA MODERNA. MARIA LUCIADE ARRUDA ARANHA.

Os Fundamentos da Filosofia - Gilberto Cotrim

Disponível: http://meucci.com.br/o-conceito-de-etica/ Acesso em: 18/01/14




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